Entrevista do Advogado Leonardo Antonelli ao Jornal O Globo - Cresce número de brasileiros que declaram deixar país

Por Bárbara Nascimento / Daiane Costa / Rennan Setti
Fonte: O Globo

BRASÍLIA e RIO - A Receita Federal detectou um salto no número de pessoas que
desistiram de ter domicílio fiscal no Brasil, transferindo as obrigações tributárias para
outros países. Esse aumento coincide com a entrada em vigor da Lei de Repatriação,
encaminhada em 2015 e aprovada este ano, que criou incentivos para brasileiros
regularizarem bens e dinheiro no exterior já que, a partir do ano que vem, a entrada em
vigor de um tratado internacional, assinado pelo Brasil e mais de 100 países, vai
facilitar a fiscalização desses recursos. O número de declarações de saída definitiva
entregues, segundo os dados mais recentes, obtidos pelo GLOBO, subiu 67%, de 11.584
em 2014 para 19.377 entre janeiro e 11 de setembro de 2016. Técnicos da Receita já
detectaram que parte dessa alta é de contribuintes que tentam se livrar da tributação.
Mas crise econômica, segundo a Receita e advogados tributaristas, também é forte
motivo para a saída de brasileiros para o exterior.
— Tem casos de pessoas que estão vendendo patrimônio no Brasil e saindo, parte delas
saindo de forma fictícia — afirma um técnico da Receita, acrescentando que o Fisco
está mobilizado para rastrear casos falsos de troca de domicílio fiscal.
Alessandro Fonseca, sócio do Mattos Filho, sustenta que saídas definitivas “fictícias”
podem ser tratadas como lavagem de dinheiro se for para omitir recursos no exterior que
não foram declarados:
— Essas pessoas serão fiscalizadas, e os processos, enviados ao Ministério Público.
Podem ser enquadradas em lavagem, um outro tipo de crime, que acrescenta até 10 anos
à pena.
Para Raquel Preto, especialista em Direito Tributário, sair do país para escapar à
tributação é uma péssima ideia. A Justiça brasileira pode remeter para a Justiça de
outros países a execução da dívida. De acordo com Raquel, cerca de um quinto dos seus
clientes que têm recursos não declarados lá fora cogita sair do país para fugir do Fisco:
— Mas a grande maioria das pessoas que estão saindo do país se cansou da violência,
da crise, da instabilidade política. O aumento da saída tem acontecido nos últimos anos,
não só agora.
O advogado Guilherme Domingues, do escritório Schreiber, Domingues, Cintra Lins e
Silva Advogados, que cuida de mais de 40 casos de repatriação, acredita que as pessoas
que estão saindo do país por causa da lei confiam que a troca de informações prevista no
tratado assinado pelo Brasil valerá só a partir de 2017. Já estando no exterior, o
contribuinte ficaria livre, pois não teria domicílio fiscal no Brasil e não teria como ter
enviado recursos do Brasil para o exterior naquele ano. Para Antonio Gil Franco, da
Ernst Young, pode ser uma tentativa de impedir que o patrimônio seja bloqueado:
— Essas pessoas se mudam e vão gastar o dinheiro delas lá fora porque aqui correm o
risco de terem os bens no exterior bloqueados.
BANCOS ESTÃO EXIGINDO REGULARIZAÇÃO
Mas ele acredita que a maior parte das declarações de saída do país seja motivada pela
recessão.
Segundo fontes que acompanham o setor, mas não quiseram se identificar, bancos
estrangeiros e brasileiros com atuação no exterior têm enviado cartas a clientes
informando da necessidade de aproveitar a chance de regularização. Entre as
instituições estariam Bank of America Merrill Lynch, BTG Pactual, BNP Paribas,
Credit Suisse e Bradesco.
Leonardo Antonelli, presidente da Comissão de Defesa do Jurisdicionado da OAB, diz
que os bancos estão exigindo que clientes façam a adesão ao programa de repatriação,
sob pena de congelamento dos recursos e posterior encerramento da conta:
— Há casos de bancos que se negam a fazer o câmbio e a remessa. Se um contribuinte
não adere à repatriação, existe indício de que o recurso seja ilícito. Isso pode gerar
graves repercussões para a banco, principalmente se ficar comprovado que o gestor
sabia da origem do dinheiro.
Maria Eugênia Lopez, diretora executiva do segmento Private do Santander, afirmou
que o banco tem feito abordagens durante visitas:
— Listamos os clientes com necessidade de regularização de recursos pessoalmente. A
procura pela anistia aumentou, mas esperávamos adesão maior.
— São casos de contas de menor valor.
Clientes de bancos suíços e dos EUA, conta Felipe Coelho, da Ernst Young, estão
recebendo cartas semelhantes. Os demais bancos, procurados, não se manifestaram.